Interpretação de Textos: A Indiferença da Natureza
Eu me
lembro do choque e da irritação que sentia, quando criança, ao assistir a
documentários sobre a violência do mundo animal; batalhas mortais entre
escorpiões e aranhas, centenas de formigas devorando um lagarto ainda vivo,
baleias assassinas atacando focas e pinguins, leões atacando antílopes, etc.
Para finalizar, apareciam as detestáveis hienas, “rindo” enquanto comiam os
restos de algum pobre animal.
Como a Natureza pode ser assim tão cruel e insensível,
indiferente a tanta dor e sofrimento? (Vou me abster de falar da dor e do
sofrimento que a espécie dominante do planeta, supostamente a de maior
sofisticação, cria não só para os animais, mas também para si própria.) Certos
exemplos são particularmente horríveis: existe uma espécie de vespa cuja fêmea
deposita seus ovos dentro de lagartas. Ela paralisa a lagarta com seu veneno,
e, quando os ovos chocam, as larvas podem se alimentar das entranhas da
lagarta, que assiste viva ao martírio de ser devorada de dentro para fora, sem
poder fazer nada a respeito. A resposta é que a Natureza não tem nada a dizer
sobre compaixão ou ética de comportamento. Por trás dessas ações assassinas se
esconde um motivo simples: a preservação de uma determinada espécie por meio da
sobrevivência e da transmissão de seu material genético para as gerações
futuras. Portanto, para entendermos as intenções da vespa ou do leão, temos que
deixar de lado qualquer tipo de julgamento sobre a “humanidade” desses atos. Aliás,
não é à toa que a palavra “humano”- quando usada como adjetivo – expressa o que
chamaríamos de comportamento decente. Parece que isentamos o resto do mundo
animal desse tipo de comportamento, embora não faltem exemplos que mostram o
quanto é fácil nos juntarmos ao resto dos animais em nossas ações “desumanas”.
A ideia de compaixão é puramente humana. Predadores não sentem a menor
culpa quando matam as suas presas, pois sua sobrevivência e a da sua espécie
dependem dessa atividade. E dentro da mesma espécie? Para propagar seu DNA,
machos podem batalhar até a morte por uma fêmea ou pela liderança do grupo. Mas
aqui poderíamos também estar falando da espécie humana, não?
(Marcelo Gleiser, Retalhos cósmicos. S. Paulo:
Companhia das Letras, 1999, pp. 75-77)
INTERPRETAÇÃO DE TEXTO
1. Considerando-se o choque e a irritação que o autor
sentia, quando criança, com as cenas de crueldade do mundo animal, percebe-se
que, com o tipo de argumentação que desenvolve em seu texto, ele pretende?
2. O que irritava tanto, o narrador, quando criança? O
que ele assistia que o deixava tão nervoso? Retire do texto um trecho que
comprove sua afirmação.
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