Paráfrase




Passagem do Dois ao Três: Antônio Cândido

Neste texto, Antônio Cândido relata a fixação pelo número 2 pelos estruturalistas. Ele declara que: “A busca de modelos genéricos se associa nele a uma espécie de postulado latente de simetria, que o faz balançar entre cru e cozido, alto e baixo, frio e quente, claro e escuro, como se a ruptura da dualidade rompesse a confiança nele mesmo”.
Em sua visão, defende a idéia de que é através da análise interna, como ponto de partida para compreender melhor o externo. Opta, então, pelo 3. Afirma: “No entanto, há o pensamento do homem outros ritmos e outras implicações numéricas, como as que privilegiam o número 3. Não como expressão de um ponto neutro intercalado entre 1 e 1; mas como 1 mais 1 mais 1, em pé desigualdade, como elementos constitutivos da visão”.
Ele afirma que as divagações que foram motivadas pela idéia nas análises estruturalistas (o 2) desliza, ou deveria deslizar, para o 3. Reafirma que não se trata do 3 falso, mas o verdadeiro, no qual as unidades (reais ou virtuais) se encontram em pé de igualdade.
Cândido faz um comentário crítico sobre o estudo de Affonso romano de Sant’Ana, em O Cortiço. Este afirma que: “embora a posição do autor é bastante compreensiva e aberta, pressupondo uma dúvida constante em relação aos métodos”.
Affonso trabalha com uma visão que considera o texto como “opacidade”, ou seja, como sistema suficiente em si, que não filtra a realidade do mundo como instância explicativa (embora, evidentemente, possa filtrá-la como referente). A esta se oporia uma visão “ideológica”, que considera o texto como uma espécie de continuação do mundo e vai buscar elementos de análise.
Fechado estrategicamente no texto, Affonso romano de Sant’Ana procura examiná-lo nele mesmo, conforme os instrumentos de que dispõe. Neste intuito, utiliza categorias que refluíram da Antropologia sobre a Lingüística, depois de terem feito o caminho oposto, como: dualidade, simetria, oposição, equilíbrio, e suas alterações por meio da troca. No fundo, o conceito de entropia e, como princípio de interpretação, a oposição Natureza x Cultura (baseada na oposição cortiço-conjunto simples (= Natureza) X sobrado-conjunto Complexo (= Cultura), dinamizada pelo estudo das trocas ocorridas entre ambos), refletindo em parte os famosos Cru e Cozido de Levi-Strauss.
Antônio Cândido afirma: “O que pretendo é apenas tomar um dos seus aspectos básicos para levantar uma questão de métodos. Com vistas a este, proporei uma leitura diferente, que não deseja superar, mas apenas se situar ao lado de Afonso Romano de Sant’Ana. Uma questão de passar do 2 ao 3”.
Embora Cândido afirme achar útil a dicotomia Cortiço = Natureza X Sobrado = Cultura, declara ser incompleto. Ele trabalha mais a fundo nas descrições do ambiente físico, nas personagens e no significado de cada um deles, ligado à realidade em que se encontram no romance.
Ele focaliza certas relações concretas entre os personagens, a partir da sua ação, real ou potencial. Assim, quanto às relações humanas concretas, podemos ter, por exemplo: Adulto X Criança; Homem X Mulher; Brasileiro X Portugueses; Branco X “De cor” – todas baseadas em características “naturais”, não devidas originalmente à cultura. No universo do livro, a primeira e a segunda são irrelevantes; as outras são relevantes e dão lugar à formação de sistemas definidos de significados, sob o aspecto conceitual e metafísico, no plano individual e no coletivo. Procura saber informações mais profundas sobre os personagens. No entanto, Cândido relata que estas divisões são atenuadas por um terceiro elemento qualificador: a animalidade. O próprio Cortiço é caracterizado como argumento de animais, o que dá caráter coletivo aos traços de cada um. Assim, menciona que aquelas oposições binárias ditas acima são insuficientes como instrumento heurístico, porque em verdade há nelas um terceiro termo que medeia. Conclui que, não há brasileiro x português, ou branco X “de cor”; mas BRASILEIRO X PORTUGUÊS (ANIMAL) E BRANCO X DE COR (ANIMAL).
Assim, resume que o enfoque formal das oposições é importante, mas precisa ser aprofundado pelo enfoque das mediações como terceiro termo. N’O Cortiço, há duas categorias opostas de caráter topológico: Sobrado e Cortiço. Há três categorias relacionais que as medeiam e permitem ver qual é o significado real da sua oposição: duas reais, Portugueses e Brasileiros, uma virtual, animal (nos sentidos 2 e 3), que por sua vez as medeia. Há uma categoria informadora, real e simbólica ao mesmo tempo, a Natureza específica do Brasil, que é a mediadora suprema entre as outras categorias. Por motivo de espaço e oportunidade, ela não é tratada aqui.
De tal forma, para Antônio Cândido, a presença do português é, portanto, decisiva, enquanto alternativa ou antagonismo do brasileiro; de tal modo que um dos fatores determinantes da narrativa é o comportamento de um ou outro em face do Brasil, tomado essencialmente como Natureza, como disponibilidade que condiciona a ação e, portanto, o destino de cada um. Concluindo o seguinte:

– Português que chega e vence o meio;
– Português que chega e é vencido pelo meio;
– Brasileiro explorado e adaptado ao meio.

Por conseguinte, Antônio Cândido conclui a análise interna, como ponto de partida para compreender melhor o externo, agora, não como genérico, mas enquanto mundo, vida que nutre a obra. Assim, pode refazer o caminho em sentido inverso, como procurou sugerir pela análise do dito sentencioso. O dito pode também ser considerado, ao seu modo, um paradigma externo, pois representa a visão de um grupo, uma coletividade de pensamento. E a partir dele procurou construir um modelo de que desvende a estrutura interna, singular da obra. Há, portanto a possibilidade de um método reversível, que se move nos dois sentidos, e que supere o formal e o não-formal na medida em que chega a este partindo daquele e àquele partindo deste.

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